Créditos garantidos por cessão fiduciária não se sujeitam à recuperação judicial, reitera o STJ

20/12/2021

Por Marcelo Augusto de Barros

Para garantir operações de empréstimo ou de antecipação de recebíveis, muitos credores exigem a cessão fiduciária de créditos.

Exemplos:

• um fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC) adquire créditos representados por cédula de crédito bancário com cessão fiduciária de duplicatas em garantia;

• uma companhia securitizadora antecipa recebíveis de um contrato de locação e garante tanto a existência dos futuros alugueres quanto a inadimplência do locatário mediante o recebimento de debêntures ou cheques.

Um dos temas que demandam constantes consultas jurídicas diz respeito à necessidade ou não de registro das garantias, seja em cartório de títulos e documentos ou em outras entidades registradoras competentes.

O principal receio é que em eventual processo de recuperação judicial da emitente (da CCB) ou da cedente do crédito antecipado, conforme exemplos citados, o credor se submeta aos efeitos da RJ, passando a figurar em classes de credores quirografários, ou seja, diminuindo drasticamente as chances de recebimento integral de seu crédito.

Na dúvida, muitos credores registram os contratos de cessão fiduciária, onerando a operação, além de perder a agilidade do negócio.

O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, reiterou em recente julgamento que o referido registro não é obrigatório. Trata-se do Recurso Especial 1.629.470/MS, julgado pela Segunda Seção do STJ, assim ementado:

“DIREITO CIVIL E COMERCIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITO DE CRÉDITO. REGISTRO EM CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS. DESNECESSIDADE DE REGISTRO PARA A CONSTITUIÇÃO DA GARANTIA. CREDOR NÃO SUJEITO Á RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE.

1. A cessão fiduciária de título de crédito, nos termos da disciplina específica da Lei 4.728/95, com a redação dada pela Lei 10.931/2004, não depende de registro em cartório de títulos e documentos para ser constituída, não se lhe aplicando a regra do art. §1º do art. 1.361 do Código Civil, regente da cessão fiduciária de coisa móvel infungível.

2. O registro da cessão fiduciária do título de crédito pode ser necessário para salvaguardar eventual direito de terceiro a quem o título de crédito seja oponível, a saber, o devedor do título de crédito cedido pela recuperanda. Não há repercussão na esfera de direitos dos demais credores, donde a irrelevância da existência do registro para o processo de recuperação.

3. De acordo com a pacífica jurisprudência do STJ, por força do art. 49, §3º, da Lei 11.101/2005, não se submetem à recuperação judicial os créditos garantidos por cessão fiduciária. Precedentes.

4. Impossibilidade “de se impor restrições à propriedade fiduciária de crédito, por não se tratar de bem de capital, segundo entendimento desta Corte Superior.” (AgInt no REsp. 1.475.258-MS, rel Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 20.2.2017).

5. Recurso especial conhecido e provido.”

Por meio da referida decisão, o STJ confirmou, ainda, que:

(a) na esteira do que dispõe o parágrafo 3º do art. 49 da Lei Federal n° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 , o crédito assegurado por cessão fiduciária de recebíveis não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial:

“os recebíveis cedidos fiduciariamente não integram o patrimônio submetido à recuperação. Não tem relevância – uma vez que em nada afeta o direito dos demais credores da recuperanda – a circunstância de não ter sido promovido o registro em cartório de notas do contrato de cessão fiduciária antes do pedido de recuperação. A falta de tal registro poderia ser invocada para a proteção de eventual direito do devedor do título cedido… Isso porque o título cedido á oponível ao devedor da recuperanda e não aos seus credores.”

(b) o registro da cessão fiduciária somente seria necessário para salvaguardar eventual direito de terceiro, não se podendo considerar como tal os demais credores que figuram no processo de recuperação judicial;

(c) títulos de crédito não são considerados bens de capital, ou seja, poderão ser cobrados pelo credor fiduciário sem a necessidade de observar o chamado stay period, isto é, o período de 180 dias de suspensão das demandas judiciais e extrajudiciais movidas contra empresa em recuperação judicial, referentes aos créditos sujeitos a esse procedimento, são suspensos.

“títulos de crédito dados em alienação fiduciária não podem ser enquadrados, sequer em tese, como bens de capital, por mais ampla que seja a interpretação dada à expressão”, pois, “para que o bem se compreenda na ressalva contida no parágrafo 3º do art. 49, é imprescindível que se trate de bem corpóreo, na posse direta do devedor, e, sobretudo, que não seja perecível e nem consumível, de modo que possa ser entregue ao titular da propriedade fiduciária, caso persista a inadimplência, ao final do stay period”.

Três outras questões merecem destaque, por se relacionarem ao presente tema:

(1) ao julgar o Recurso Especial 1.634.958-SP, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, o Colendo Superior Tribunal de Justiça concluiu que os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) realizam operações financeiras ; logo, o art. 66-B da Lei Federal nº 4.728, de 14 de julho de 1965, também é aplicável a operações de cessão fiduciária celebradas com FIDC.

(2) seguindo o entendimento do ilustre Professor Nelson Nery Júnior, manifestado em Parecer Jurídico anexado ao processo judicial n° 1006547-35.2019.8.26.0079, “nosso sistema jurídico admite que coisa seja conceito empregado não apenas para designar bens corpóreos, mas também bens imateriais”, referindo-se ao conceito de coisa móvel infungível para fins de interpretação do art. 1.361 do Código Civil. Ou seja, os direitos de crédito também são considerados coisa móvel infungível, são passíveis, portanto, de cessão fiduciária em garantia, e qualquer pessoa, física ou jurídica, mesmo não sendo qualificada como instituição financeira, poderá figurar como credora fiduciária.

(3) quando se tratar de ativos financeiros e valores mobiliários objeto de registro ou de depósito centralizado a que se refere o art. 26 da Lei Federal n° 12.810, de 15 de maio de 2013, as respectivas cessões fiduciárias deverão ser registradas perante as entidades registradoras ou depositários centrais pertinentes.

Em resumo, portanto, o STJ novamente validou a desnecessidade de registro da cessão fiduciária de direitos de crédito em cartório de títulos e documentos, reforçou que os créditos assim garantidos não se submetem aos efeitos de recuperação judicial e acrescentou que os demais credores da RJ não são considerados terceiros que mereçam a salvaguarda proporcionada com o registro da garantia, gerando, assim, mais agilidade aos negócios fiduciários, que são extremamente importantes às operações de crédito no Brasil.

 

[1] Lei 11.101/2005, artigo 49 – Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

(…) § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

[2] STJ, Recurso Especial 1.634.958-SP, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 03/09/2019: “(…) O FIDC é um condomínio que fornece crédito por meio de captação da poupança popular, sendo administrado por instituição financeira (banco múltiplo; banco comercial; Caixa Econômica Federal; banco de investimento; sociedade de crédito, financiamento e investimento; corretora de títulos e valores mobiliários ou distribuidora de títulos e valores mobiliários). Portanto, cumpre salientar que o art. 17, parágrafo único, da Lei n. 4.595/1964 espanca quaisquer dúvidas ao estabelecer que se consideram instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, a intermediação ou a aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Ou seja, para os efeitos dessa lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer uma das atividades referidas no citado artigo, de forma permanente ou eventual.

Ainda, o art. 18, § 1º, do mesmo Diploma legal esclarece que, além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas, das cooperativas de crédito ou da seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina dessa lei, no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exercem, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e a venda de ações e quaisquer outros títulos, realizando nos mercados financeiro e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.

Portanto, a meu juízo, a operação, até mesmo por envolver a captação de poupança popular mediante a emissão e a subscrição de cotas (valor mobiliário) para concessão de crédito, é inequivocamente de instituição financeira…

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