Lei nº 14.010/20: o que muda nas relações particulares com a Covid-19

23/06/2020

Por Marsella Medeiros Bernardes

Com o objetivo de minimizar a crise econômica e os impactos nas relações particulares decorrentes da pandemia mundial do coronavírus (Covid-19), foi sancionada, em 10 de junho de 2020, a Lei Federal nº 14.010 para instituir o Regime Jurídico Emergencial e Transitório (“RJET”), e flexibilizar, temporariamente, disposições específicas do Código Civil, do Código de Processo Civil, do Código de Defesa do Consumidor, da Lei do Inquilinato, do Estatuto da Terra, da Lei de Direito Concorrencial, do Código de Trânsito Brasileiro e da Lei Geral de Proteção de Dados.

Ao todo, foram vetados pelo Presidente da República oito artigos, incluindo os que previam (i) que as consequências decorrentes da pandemia do coronavírus nas execuções de contratos, incluindo os casos fortuitos e de força maior, não teriam efeitos jurídicos retroativos; (ii) sobre fatos imprevisíveis e as hipóteses de revisão contratual; (iii) que não seriam concedidas liminares de desocupação de imóvel urbano em ações de despejo até 30 de outubro de 2020; e (iv) poderes extraordinários aos síndicos de condomínios edilícios visando a contenção da disseminação do coronavírus.

A primeira alteração na legislação vigente pela lei sancionada diz respeito aos prazos de prescrição e decadência, que serão considerados suspensos ou impedidos, conforme o caso, até 30 de outubro de 2020. São exceções à essa regra temporária as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstos em lei. Veja-se:

“Art. 3º Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020.

§ 1º Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional.

§ 2º Este artigo aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)”.

Além disso, foi flexibilizada a regra para admitir que as associações realizem suas assembleias gerais por meio eletrônico, hipótese em que produzirão os efeitos legais de uma assembleia presencial, ainda que essa possibilidade não conste nos atos constitutivos da pessoa jurídica:

“Art. 5º A assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica.

Parágrafo único. A manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial”.

Fica temporariamente suspenso, ainda, nas hipóteses de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos, o art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe que “o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato do recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou domícilio”, conforme art. 8º da Lei nº 14.010:

“Art. 8º Até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos”.

Ficam suspensos até 30 de outubro de 2020, também, os prazos de aquisição para a propriedade mobiliária ou imobiliária das diversas espécies de usucapião:

“Art. 10. Suspendem-se os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020”. 

Ainda, duas regras aplicáveis aos condomínios edilícios foram temporariamente alteradas: (i) a assembleia condominial e a respectiva votação, em caráter emergencial, poderão ocorrer por meios virtuais até 30 de outubro de 2020, e, não sendo possível realiza-la, os mandatos dos síndicos vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020; e (ii) passa a ser obrigatória, sob pena de destituição do síndico, a prestação de contas regular dos seus atos de administração, conforme artigos 12 e 13, respectivamente:

“Art. 12. A assembleia condominial, inclusive para os fins dos arts. 1.349 e 1.350 do Código Civil, e a respectiva votação poderão ocorrer, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.

Parágrafo único. Não sendo possível a realização de assembleia condominial na forma prevista no caput, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020.

Art. 13. É obrigatória, sob pena de destituição do síndico, a prestação de contas regular de seus atos de administração”.

Algumas regras aplicáveis ao direito concorrencial também foram flexibilizadas. Deixam de ser infrações de ordem econômica, até 30 de outubro de 2020 ou enquanto perdurar o estado de calamidade pública, a venda de mercadorias ou a prestação de serviços abaixo do preço do custo; a cessação parcial ou total das atividades da empresa sem justa causa comprovada; e os atos de concentração econômica por duas ou mais empresas em celebração de contrato associativo, consórcio ou joint venture, desde que sejam necessárias ao combate ou à mitigação das consequências decorrentes da pandemia do coronavírus:

“Art. 14. Ficam sem eficácia os incisos XV e XVII do § 3º do art. 36 e o inciso IV do art. 90 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, em relação a todos os atos praticados e com vigência de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020 ou enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020”.

Os parágrafos do art. 14, por seu turno, fazem duas importantes ressalvas: caso seja verificada a prática de outras hipóteses de infrações contra a ordem econômica que não as delimitadas no caput do artigo, a apreciação da conduta pelo órgão competente levará em consideração as circunstâncias extraordinárias decorrentes da pandemia do coronavírus; e a suspensão da aplicação do inciso IV do art. 90 não afasta a possibilidade de posterior análise do ato de concentração ou de apuração de infração à ordem econômica:

“§ 1º Na apreciação, pelo órgão competente, das demais infrações previstas no art. 36 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, caso praticadas a partir de 20 de março de 2020, e enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, deverão ser consideradas as circunstâncias extraordinárias decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19).

§ 2º A suspensão da aplicação do inciso IV do art. 90 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, referida no caput, não afasta a possibilidade de análise posterior do ato de concentração ou de apuração de infração à ordem econômica, na forma do art. 36 da Lei nº 12.529, de 2011, dos acordos que não forem necessários ao combate ou à mitigação das consequências decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19)”.

Ainda, foram flexibilizadas duas regras específicas do direito de família e sucessões: a prisão civil por dívida alimentícia deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das obrigações; e o prazo para início do processo de inventário para sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020 foi dilatado para 30 de outubro de 2020, nos termos dos artigos 15 e 16 da Lei nº 14.010:

“Art. 15. Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.

Art. 16. O prazo do art. 611 do Código de Processo Civil para sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020 terá seu termo inicial dilatado para 30 de outubro de 2020.

Parágrafo único. O prazo de 12 (doze) meses do art. 611 do Código de Processo Civil, para que seja ultimado o processo de inventário e de partilha, caso iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020”.

Por fim, os artigos 52, 53 e 54 da Lei Geral de Proteção de Dados, que elencam as sanções administrativas aplicáveis àqueles que cometerem qualquer das infrações previstas na LGPD, passarão a viger somente a partir de 1º de agosto de 2021:

“Art. 20. O caput do art. 65 da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso I-A:
Art. 65. (…)
I-A – dia 1º de agosto de 2021, quanto aos arts. 52, 53 e 54”.

Como se vê, não restam dúvidas de que a Lei nº 14.010 será uma importante aliada no enfrentamento das consequências, ainda incertas, causadas pela pandemia da Covid-19.

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