Por Roberto Caldeira Brant Tomaz
Diante da iminência do julgamento do Recurso Especial 1.800.032/MT, pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, abordamos recentemente nesse periódico a polêmica que envolve a Recuperação Judicial do produtor rural.
Como exposto no artigo veiculado em 28/10/2019, a Corte Superior se debruçaria sobre a exigência (ou não) de que o produtor rural esteja devidamente inscrito na Junta Comercial da sua sede há pelo menos 2 anos, para que possa pedir recuperação judicial, de acordo com a estrita interpretação do art. 48 da Lei 11.101/2005, cumulado com art. 971 do Código Civil.
A expectativa era de que o STJ mantivesse o entendimento já exarado no julgamento do REsp 1.193.115-MT, em 2013, confirmando a exigência legal. Todavia, não muito diferente do que vem ocorrendo com preocupante frequência, a Corte decidiu rever seu posicionamento e flexibilizar o requisito previsto em lei, para incluir na recuperação judicial do produtor rural toda a dívida existente antes do registro, considerando a inscrição como simples reconhecimento de uma condição de fato.
O Relator do recurso, Ministro Marco Buzzi, iniciou o julgamento mantendo o entendimento vigente e foi acompanhado pela Ministra Isabel Gallotti. O Ministro Raul Araújo, contudo, inaugurou a divergência, vindo a ser seguido pelos Ministros Antônio Carlos Ferreira e Luis Felipe Salomão. O resultado, portanto, foi 3×2 para a revisão do posicionamento.
A nosso ver, trata-se de mais um julgamento político, em que a lei foi suplantada, em prol do interesse de grupos expressivos, no caso, os mega empresários do agronegócio. O entendimento para dispensar o requisito temporal de 2 anos, contrariamente à intenção normativa, privilegia os interesses do setor ruralista e impõe todo o ônus do inadimplemento aos credores, em especial as instituições financeiras e os fundos de recebíveis.
Como demonstrado anteriormente, é provável que a autorização repentina e indiscriminada da recuperação judicial do produtor rural gere um grande impacto na economia, especialmente no setor de fomento e financiamento da produção, à medida que os agropecuaristas, em gritante violação ao princípio da boa-fé contratual e da segurança jurídica das relações privadas, tenham seus créditos incluídos inesperadamente em processo recuperacional, pelo simples registro em órgão competente, em contrapartida à expectativa do credor que lhe concedeu o crédito.
É uma mudança de regras no meio do jogo que desequilibra as relações comerciais. Por isso o registro do produtor rural como empresário poucos dias antes do pedido de recuperação judicial causa grande desconforto no mercado financeiro e nos demais fomentadores da atividade rural no Brasil.
A decisão do STJ vai inverter a regra de que o produtor rural seja beneficiado com a concessão de juros menores, mudando a forma como se financia o agronegócio no país. A possibilidade de sofrer um revés por meio da recuperação judicial do produtor rural aumentará a avaliação de risco por parte das instituições financeiras, levando ao aumento do custo do crédito.
Embora não se possa afirmar categoricamente a repercussão e os desdobramentos do julgado – contra o qual ainda cabe recurso -, muito melhor seria se a questão fosse debatida no Congresso, propondo-se um estatuto específico que resolvesse a insolvência do produtor rural, sem sacrificar as garantias conferidas ao credor. Que houvesse uma mera alteração da lei falimentar vigente, de forma a incluir a previsão de exclusão da Cédula de Produto Rural dos efeitos da recuperação judicial, tal como ocorre com os créditos garantidos por alienação fiduciária.
Dessa forma, o Legislativo impediria a usurpação da sua competência pelo Judiciário, como vem ocorrendo de forma indiscriminada no âmbito da Corte Superior.
Havendo ou não uma mobilização parlamentar no sentido de aperfeiçoar a legislação aplicável, os operadores do Direito precisam estar bem preparados, agindo cada vez mais de maneira preventiva no atual cenário de insegurança jurídica.
18 setembro, 2025
02 setembro, 2025
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