Por Mohamad Fahad Hassan
Fechando o cerco nos devedores na fraude contra credores. Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça decide que a aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, para atingir bens de terceiros em processo de execução, na hipótese de abuso com desvio de finalidade e confusão patrimonial entre empresas e sócios, não depende de ficar provada a insolvência do devedor principal.
Advinda do direito norte-americano, a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica (que, na prática, é quando o juiz de um processo avança na penhora de bens de terceiros, por exemplo, sócio da empresa devedora, ou de outra empresa que pertence ao mesmo grupo econômico) sempre foi aplicada pelo judiciário brasileiro por construção doutrinária e jurisprudencial. Somente com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil é que a medida foi de fato positivada.
Antes a previsão estava contida apenas no direito material, no artigo 50 do Código Civil, que prevê que: em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Com a entrada em vigor do novo Código de Processo, em 2016, agora o instituto encontra previsão legal expressa, e o pedido pode ser apresentado incidentalmente, no curso da demanda, ou desde o ajuizamento da ação, no bojo da petição inicial da ação.
"Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica."
"Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1o A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§ 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.
§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica."
A discussão que se criou a partir de então é se a medida exige ou não a prova da insolvência do devedor. Isso porque, tem se visto juízes e desembargadores partirem da premissa equivocada de que a desconsideração da personalidade jurídica somente é cabível quando esgotadas as buscas pelo patrimônio do devedor principal, e, portanto, desde que comprovada a sua insolvência.
Mas recente decisão do Superior Tribunal de Justiça parece logo ter colocado fim à discussão. Segundo o voto do Ministro Luís Felipe Salomão, em julgamento do Recurso Especial no 1.729.554 – SP (08/05/2018), do mesmo modo que apura insolvência da pessoa jurídica não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica, para atingimento dos bens de seu sócio, a lei tampouco pode exigir, para a análise da medida, que o credor esgote a busca pelo patrimônio do devedor principal.
Segundo o Acórdão, é a existência dos elementos previstos em Lei – isso é, abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial – que autoriza a apreciação do pedido de desconsideração, seja via incidente ou no início do processo:
Com esse entendimento, assim concluiu em seu voto:
"2. A principal controvérsia consiste em definir se, para a instauração e o processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica – previsto no novo Código de Processo Civil (Lei n 13.105/2015) -, é requisito a comprovação de inexistência de bens do devedor.
(…)
À luz da previsão legal, o Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que a inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não caracteriza, por si só, quaisquer dos requisitos previstos no art. 50 do Código Civil, sendo imprescindível a demonstração específica da prática objetiva de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
Tal panorama da jurisprudência não sofre alteração com a nova regra procedimental, segundo penso.
É possível afirmar, ademais, que além de a constatação da insolvência não ser suficiente à desconsideração – para o caso do art. 50 do CC -, com maior razão a inexistência de bens do devedor não pode ser condição para a instauração do procedimento que objetiva aquela decretação."
O precedente é mais uma excelente notícia e vem ao encontro dos anseios de grande parte da sociedade, em especial para a área de recuperação de crédito do mercado de ativos financeiros, pois além de expandir a possibilidade de recebimento, em caso de inadimplência e fraude, reforça o que já se tem visto com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, isso é, que o judiciário promete não dar vida fácil aos devedores. Basta o credor ser diligente!
02 dezembro, 2024
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27 novembro, 2024
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