Priscila Garcia Secani
O voto de qualidade proferido pelo Conselheiro Presidente de Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) sempre rendeu discussões e ganhou novos contornos recentemente com a prolatação de sentença da Justiça Federal de Campinas que cancelou crédito tributário constituído em Processo Administrativo decidido com voto de qualidade.
A discussão acerca do “voto de qualidade” remete-se ao julgamento do Mensalão (AP 470), pois em razão da aposentaria de ministro Cezar Peluso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal contava com apenas 10 ministros, tendo sido consignado que em caso de empate, a decisão seria favorável ao acusado, prestigiando-se a presunção de inocência.
O “voto de qualidade” no Processo Administrativo Federal está previsto no artigo 25, § 9º, do Decreto nº 70.235, 06 de março de 1972 e artigo 54, do Anexo II, do Regulamento do CARF (Portaria MF nº 343, de 09 de junho de 2015):
“§ 9º Os cargos de Presidente das Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, das câmaras, das suas turmas e das turmas especiais serão ocupados por conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que, em caso de empate, terão o voto de qualidade, e os cargos de Vice-Presidente, por representantes dos contribuintes.”
“Art. 54. As turmas só deliberarão quando presente a maioria de seus membros, e suas deliberações serão tomadas por maioria simples, cabendo ao presidente, além do voto ordinário, o de qualidade.”
O CARF é um Tribunal paritário que deve primar pela Isonomia. Suas Turmas são formadas por representantes do fisco, a quem cabe a Presidência, e de contribuintes que ficam com a Vice-Presidência.
Muitas das críticas são direcionadas ao entendimento acerca do voto de qualidade manifestado pelo CARF, que estaria desvirtuando o seu conceito. Isso porque o também chamado “voto de Minerva” deveria ocorrer apenas para desempatar julgamento, mas na prática, nos julgamentos do CARF, o Presidente vota e, caso haja empate, proclama o “voto de qualidade”, ou seja, vota duas vezes.
É evidente que dar ao Presidente da Turma a possibilidade de votar e, em caso de empate, em que já foi contabilizado seu voto, conceder a prerrogativa de desempatar, fere a Igualdade pretendida, o que por si só já torna esta interpretação contrária à Constituição Federal.
Além disso, sempre houve por parte dos contribuintes questionamentos acerca da validade do voto de qualidade, especialmente, por violação ao artigo 112 do Código Tributário Nacional que traz o teor do Princípio do in dubio pro reo (contribuinte) no que diz respeito às infrações tributárias, in verbis:
“Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:
I – à capitulação legal do fato;
II – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;
III – à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;
IV – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.”
Os contribuintes pretendem a aplicação do citado artigo não somente às infrações e multas, como também na constituição do crédito tributário, alegando que se há empate, há dúvida quanto à própria ocorrência do fato e da incidência tributária, devendo ser proferido entendimento favorável ao contribuinte.
Por outro lado, ainda que não houvesse a previsão do artigo 112 do Código Tributário Nacional, a decisão empatada sempre deveria ser favorável ao contribuinte, em razão da Estrita Legalidade Tributária e Tipicidade, o que foi bem destacado na citada sentença:
“A dúvida objetiva sobre a interpretação do fato jurídico tributário, por força da Lei de normas gerais, não poderia ser resolvida por voto de qualidade, em desfavor do contribuinte. Ao verificar o empate, a turma deveria proclamar o resultado do julgamento em favor do contribuinte. Segundo a melhor doutrina e por exigência do princípio da legalidade e da justiça tributária, o ônus da prova da ocorrência do fato jurídico tributário em sua inteireza é do fisco, cabendo ao contribuinte, na busca da desconstituição da exigência, provar os fatos extintivos, impeditivos ou modificativos do direito à imposição tributária. Por outro lado, a interpretação da hipótese de incidência deve dar-se à luz do fato e não apenas abstratamente no plano normativo. Essa é a atividade do lançador. Verificar a certeza da ocorrência do fato, em todos os elementos da hipótese, sob pena de não incidência da norma e da não instauração da relação jurídica obrigacional”.
No processo administrativo se busca a verdade real, de modo que o fisco deve sempre buscar o que verdadeiramente aconteceu, independentemente de se verificar que o resultado será a tributação ou não, e, uma vez verificado convictamente que se submete às normas tributárias, haverá a incidência. Por outro lado, verificado que não ocorreu ou que talvez, não se sabe ao certo, tenha ocorrido, não se pode admitir a incidência. E é exatamente isso que ocorre em caso de empate, não há convicção da ocorrência do evento e sim dúvida.
Em suma, para a incidência dos tributos é imprescindível que ocorra o fato tributário, que se não for demonstrado e comprovado de maneira irrefutável, não há aplicação da norma tributária e, consequentemente, não há incidência de tributo. Não cabe ao fisco ou ao CARF presumir que o fato ocorreu, em decorrência do empate e pretender aplicar a norma, pois para a incidência, este deve ter ocorrido sem qualquer dúvida.
Portanto, todos os procedimentos administrativos decididos contra o contribuinte por voto de qualidade proferidos pelo CARF ou outro Tribunal Administrativo podem ser objeto de questionamento junto ao Poder Judiciário.
E quem remeter ao julgamento de Orestes que originou a expressão ‘voto de Minerva’, lembre-se: Atenas votou apenas para desempatar e ele foi inocentado.
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