CriptoJud: a nova ferramenta de busca de criptoativos de devedores

13/11/2025

Por André Campos Castellon

O sistema de execução civil no Brasil tem evoluído significativamente com o apoio de ferramentas digitais integradas que visam à efetivação da recuperação de créditos, como a expedição de ordens para localização e bloqueio de bens por meio de plataformas como o SisbaJud (sistema vinculado ao Banco Central para bloqueio de ativos financeiros), RenaJud (restrição sobre veículos), InfoJud (acesso a dados fiscais da Receita Federal) e SerasaJud (inclusão do devedor no rol de inadimplentes). Apesar de esses mecanismos otimizarem a atividade judicial e ampliarem o alcance da jurisdição sobre o patrimônio do devedor, muitas vezes eles se mostram obsoletos, principalmente em razão da digitalização da economia.

Diante disso, em agosto de 2025, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou o CriptoJud, um sistema eletrônico voltado à centralização do envio de ordens judiciais às empresas que operam com criptoativos. O objetivo declarado é facilitar a localização de bens digitais em processos de execução, integrando a atuação judicial à realidade da economia digital, cada vez mais marcada pelo uso de criptomoedas, tokens e outros ativos virtuais.

Embora o Código de Processo Civil não trate expressamente dos criptoativos, a penhorabilidade desses bens decorre do art. 789 do Código de Processo Civil (CPC), que prevê que o devedor responda com todos os seus bens presentes e futuros. Além disso, precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ)[1] e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP)[2] já vinham reconhecendo os criptoativos como bens patrimoniais sujeitos à execução.

Com isso, o novo sistema permite, inicialmente, a expedição simultânea de ofícios às exchanges[3] nacionais cadastradas, otimizando o procedimento antes feito de forma individualizada. Em fases futuras, o CNJ prevê a ampliação do sistema para custódia e liquidação dos ativos eventualmente localizados — sempre respeitando a segurança cibernética e as diretrizes da Plataforma Digital do Poder Judiciário (PDPJ-Br).

Apesar disso, é importante destacar que o CriptoJud não é um sistema de bloqueio automático, como o SisbaJud, visto que sua natureza jurídica é de plataforma de comunicação processual, com envio automatizado de ordens judiciais. Assim, não há, ainda, vínculo institucional com o Banco Central nem regulamentação que permita a conversão automática dessas ordens em medidas constritivas, o que limita o potencial prático do sistema em curto prazo.

Ademais, ativos sob autocustódia (popularmente chamadas de cold wallets[4] ), plataformas estrangeiras ou exchanges descentralizadas (DEXs[5] ) permanecem fora do alcance do novo sistema, em razão de não se sujeitarem à jurisdição nacional ou por não operarem sob estrutura centralizada.

A despeito dos avanços institucionais, o CriptoJud não é uma solução definitiva e apresenta riscos e limitações relevantes, como:

• alcance territorial restrito às exchanges nacionais voluntariamente integradas;

• inviabilidade de bloqueios retroativos ou de criptoativos fora da jurisdição nacional;

• risco de volatilidade dos ativos entre o bloqueio e eventual liquidação;

• falta de normatização da custódia judicial, liquidação, responsabilidade por perdas e destinação dos valores em caso de reversão da constrição.

A tendência, contudo, é que o CriptoJud contribua significativamente para o aumento da efetividade das execuções civis envolvendo ativos digitais, ao ampliar a taxa de sucesso na localização de bens, reduzir custos operacionais e conferir maior poder coercitivo às decisões judiciais. Em médio e longo prazos, espera-se que o CriptoJud gere reflexos positivos também sobre o comportamento do mercado, pois exchanges nacionais tenderão a buscar integração ao sistema como diferencial competitivo, e a formalização do setor poderá ser acelerada.

Portanto, embora o sistema ainda esteja em evolução e sua efetividade plena dependa de regulação específica e integração técnica com instituições financeiras, o CriptoJud representa um passo importante na modernização da execução civil, aproximando o Judiciário da nova realidade dos ativos digitais e ampliando o escopo na recuperação de créditos.

 

[1] No julgamento do Recurso Especial nº 2.127.038/SP (STJ, 3ª Turma, rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18/02/2025), a Corte reconheceu a possibilidade de envio de ofícios às exchanges para localização e penhora de ativos virtuais. A decisão também observou a Instrução Normativa RFB nº 1.888/2019, que exige o reporte de operações com criptoativos à Receita Federal, evidenciando seu caráter patrimonial e tributável.

[2] Como no julgamento dos recursos de Agravo de Instrumento n° 2255880-90.2022.8.26.0000, pela 17ª Câmara de Direito Privado, e 2315465-05.2024.8.26.0000, pela 21ª Câmara de Direito Privado.

[3] Exchanges são plataformas digitais em que é possível comprar, vender, trocar e guardar criptomoedas, ou seja, trata-se de uma plataforma online que funciona como uma corretora digital, onde usuários negociam ativos digitais.

[4] Uma cold wallet, ou carteira fria, é um dispositivo ou método de armazenamento de criptomoedas que não é conectado à internet, como uma carteira de hardware física, para garantir maior segurança contra ataques cibernéticos. Essa desconexão mantém as chaves privadas offline, protegendo os ativos digitais de forma mais segura.

[5] Uma DEX, ou exchange descentralizada, é uma plataforma de troca de criptomoedas que opera de forma peer-to-peer (P2P), conectando diretamente compradores e vendedores, sem a necessidade de um intermediário centralizado, como bancos ou corretoras tradicionais. As transações são executadas por meio de contratos inteligentes que registram tudo na blockchain, e os usuários mantêm o controle de suas chaves privadas e fundos durante todo o processo.

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