A definição do valor do bem penhorado é um dos pontos que mais suscitam debate na execução civil. Quando se trata de direitos aquisitivos decorrentes de promessa de compra e venda de imóvel, a discussão se torna ainda mais sensível: deve a avaliação considerar o valor integral do bem ou apenas o valor da posição contratual do comprador inadimplente? Essa distinção é fundamental para que a execução se mantenha equilibrada e proporcional.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem reiterado que a avaliação do imóvel em sua totalidade não se confunde com a avaliação dos direitos aquisitivos, pois estes representam apenas uma expectativa de aquisição, limitada ao que já foi cumprido pelo devedor no contrato.
Um aspecto relevante no acórdão proferido pela 15ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2192864-02.2021.8.26.0000, foi a fixação de critério objetivo para a quantificação dos direitos aquisitivos. A referida Câmara observou que, embora a avaliação do bem seja necessária como ponto de partida, o valor a ser considerado para fins de penhora não corresponde ao preço integral do imóvel, mas sim ao montante resultante da avaliação deduzido do saldo devedor ainda em aberto.
Assim, por exemplo, se o comprador já adimpliu parte substancial do contrato, os seus direitos aquisitivos refletem a diferença entre o valor de mercado do imóvel e a obrigação ainda pendente; se, ao contrário, a maior parte do preço permanece em aberto, o direito terá expressão econômica reduzida.
Nas palavras do julgado, deve-se tomar “o preço atual (apurado pela perícia), descontado deste o valor do saldo devedor, dado que, no caso de eventual arrematação, o arrematante sub-roga-se na obrigação de pagar tal dívida, tal como constou, corretamente, no edital do leilão. De igual forma, agora, a exequente adjudicante sub-rogar-se-á nos direitos e obrigações da executada promitente compradora e, em razão disso, haverá extinção do débito pela confusão, porque na pessoa daquela passam a concentrar as figuras de credor e devedor (artigos 381 e 382, do Código Civil).” A íntegra do acórdão pode ser consultada clicando aqui.
Esse critério evita tanto a supervalorização quanto a subavaliação do direito penhorado, assegurando correspondência entre a constrição e o patrimônio efetivamente titularizado pelo devedor, em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da efetividade da execução.
Em outras palavras, o direito do comprador inadimplente não equivale à propriedade plena, mas sim a uma fração patrimonial correspondente às parcelas adimplidas e ao valor econômico residual do contrato.
Atribuir aos direitos aquisitivos o mesmo valor do imóvel integral gera distorções evidentes: cria a ilusão de que o devedor possui um patrimônio maior do que efetivamente detém e compromete a lógica da execução. Além disso, dificulta a alienação judicial, pois nenhum interessado deve se dispor a pagar o preço de mercado de um imóvel por uma posição contratual sujeita a riscos e incertezas.
O critério correto, de acordo com a jurisprudência, deve ser a valoração proporcional, que reflita a realidade da relação obrigacional. O direito aquisitivo é bem de conteúdo patrimonial, mas de natureza limitada. Seu valor deve ser apurado levando em conta o estágio do adimplemento, o saldo contratual e o interesse de mercado nessa posição jurídica. Não se trata de mensurar o valor do imóvel, mas sim de identificar quanto vale a posição jurídica ocupada pelo promitente comprador.
Ao distinguir a avaliação do imóvel daquela dos direitos aquisitivos, a jurisprudência reforça princípios como o da proporcionalidade, da boa-fé e da menor onerosidade da execução. Essa abordagem confere racionalidade ao processo, evita enriquecimento sem causa e preserva o equilíbrio entre as partes.
Mais que uma questão técnica de avaliação, trata-se de assegurar que a execução cumpra sua finalidade de forma coerente com a natureza dos bens penhorados.
Em síntese, a avaliação dos direitos aquisitivos exige sensibilidade jurídica e rigor técnico. Não se trata de transpor automaticamente o valor de mercado do imóvel, mas de reconhecer o verdadeiro alcance econômico da posição contratual do comprador.
Esse entendimento, cada vez mais consolidado, fortalece a segurança jurídica das execuções e garante que a penhora de direitos aquisitivos seja um instrumento efetivo, equilibrado e funcional.
06 outubro, 2025
02 setembro, 2025
O boletim Vistos, etc. publica os artigos práticos escritos pelos advogados do Teixeira Fortes em suas áreas de atuação. Se desejar recebê-lo, por favor cadastre-se aqui.