A execução civil apresenta múltiplos instrumentos destinados a garantir a efetividade da tutela jurisdicional, entre os quais se destaca a penhora sobre bens e direitos do devedor. Uma questão instigante, que ganhou relevo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, diz respeito à possibilidade de penhora dos direitos aquisitivos derivados de contrato de promessa de compra e venda – especialmente quando a constrição recai sobre o próprio bem objeto da avença entre comprador inadimplente e vendedor exequente.
O acórdão proferido pela Terceira Turma do STJ no REsp nº 2.015.453/MG (Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28.02.2023) enfrentou precisamente essa situação. O Tribunal reconheceu a viabilidade da penhora dos direitos aquisitivos do comprador, mesmo quando o credor é o próprio promitente vendedor e proprietário do imóvel. Trata-se de precedente de relevância prática, pois ilumina as consequências jurídicas desse tipo de constrição e a compatibilização do instituto com a lógica da execução.
O artigo 835, XII, do Código de Processo Civil prevê expressamente a possibilidade de penhora de “direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda”. Segundo o STJ, tal possibilidade independe de o contrato estar registrado na matrícula imobiliária, pois trata-se de um direito pessoal, cujo adimplemento pode ser exigido inter partes, como ocorre na adjudicação compulsória, tema já consolidado pelo STJ na Súmula 239: “o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.
No voto condutor do REsp nº 2.015.453/MG, a Ministra Nancy Andrighi destacou que a penhora recai sobre a posição contratual do comprador inadimplente, e não sobre a propriedade plena do imóvel, ainda não transmitida: “O que deve acontecer é a constrição executiva sobre os direitos do executado relativos a essas espécies de contratos”. Assim, ainda que o comprador não tenha adimplido integralmente o preço, seus direitos aquisitivos são considerados bens penhoráveis, por possuírem conteúdo econômico e patrimonial.
A peculiaridade do caso julgado está em o exequente ser o promitente vendedor, isto é, o proprietário do imóvel objeto da promessa. Nessas hipóteses, a decisão do STJ estabeleceu importantes desdobramentos.
O Tribunal ressaltou que, nos termos do artigo 857 do Código de Processo Civil, feita a penhora, o exequente poderá ser sub-rogado nos direitos do executado, mas também pode optar pela alienação judicial dos direitos constritos.
Conforme consignado na ementa:
“Na situação de o executado ser o titular de direitos de aquisição de imóvel e o exequente ser o proprietário desse mesmo bem, podem ser de duas ordens as consequências da penhora sobre direitos aquisitivos: (i) ao escolher a sub-rogação, eventualmente, poderá ocorrer a confusão, na mesma pessoa, da figura de promitente comprador e vendedor, conforme art. 381 do CC/02; ou (ii) ao optar pela alienação judicial do título, seguir-se-ão os trâmites pertinentes e o exequente perceberá o valor equivalente (art. 879 e seguintes do CPC/15)”.
Esse trecho evidencia que a constrição não implica necessariamente a consolidação imediata da propriedade no patrimônio do credor, mas gera alternativas processuais.
De um lado, pode ocorrer a extinção da obrigação por confusão, quando comprador e vendedor se reúnem na mesma pessoa, extinguindo-se a promessa. De outro, é possível a alienação judicial dos direitos aquisitivos a terceiros interessados, com destinação do produto da arrematação ao pagamento do credor.
A decisão revela um avanço interpretativo, pois equilibra dois interesses distintos: o direito do credor-vendedor à satisfação do crédito; e, além disso, a preservação da utilidade econômica do contrato, que pode ser transferida a terceiro mediante alienação judicial.
Contudo, a solução não está isenta de debates. Em termos práticos, a alienação judicial de direitos aquisitivos em que o vendedor é parte exequente pode encontrar dificuldades de mercado, uma vez que o bem objeto da promessa já pertence ao credor. Nesse cenário, tende a prevalecer a hipótese de confusão, com a extinção do contrato.
A jurisprudência do STJ, entretanto, assegura flexibilidade, permitindo que o exequente avalie a alternativa mais conveniente, inclusive para manter a avença como forma de preservação do interesse econômico na continuidade do pacto.
A decisão fortalece a efetividade da execução civil e confere segurança jurídica à penhora de direitos aquisitivos, ampliando as ferramentas de tutela do crédito, sem descuidar da lógica negocial subjacente ao contrato de promessa de compra e venda.
A íntegra do acórdão pode ser consultada clicando aqui.
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