Fintechs: “contas-bolsão” desafiam o cumprimento de ordens judiciais de bloqueio

01/09/2025

Por Cylmar Pitelli Teixeira Fortes

O avanço da digitalização no sistema financeiro trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro novos agentes de intermediação de pagamentos, como Fintechs e Instituições de Pagamento, reguladas principalmente pela Lei nº 12.865/2013. Esses atores têm desempenhado papel relevante na democratização do acesso a serviços financeiros, ampliando a competitividade frente aos bancos incumbentes.

Entretanto, essa inovação também tem gerado zonas de risco regulatório e no âmbito do processo civil brasileiro, sobretudo quando associada a práticas que podem comprometer a efetividade de ordens judiciais de bloqueio patrimonial. Nesse contexto, destacam-se as polêmicas “contas-bolsão”, mecanismos pelos quais uma Fintech deposita valores de múltiplos clientes em uma única conta bancária, mantida em instituição financeira tradicional, sem individualização da titularidade no sistema bancário, desafiando a efetividade do Sisbajud e a prestação jurisdicional.

O ordenamento jurídico brasileiro há muito consagra a exigência de individualização das contas de pagamento para instituições submetidas à regulação do Banco Central. Essa individualização permite que ordens judiciais de penhora eletrônica – operacionalizadas pelo Sisbajud – incidam de forma precisa sobre os ativos financeiros pertencentes ao devedor, garantindo a tutela jurisdicional efetiva ao credor.

Todavia, quando há utilização de “contas-bolsão”, o cenário se altera: o sistema identifica apenas o CNPJ da Fintech ou da Instituição de Pagamento como titular dos valores. Assim, ordens de bloqueio costumam restar ineficazes, permitindo que devedores se ocultem atrás da arquitetura tecnológica oferecida por tais intermediários, frustrando credores e o próprio Poder Judiciário.

O problema não é apenas processual. O uso indevido das “contas-bolsão” pode estar também associado a práticas mais amplas de ocultação patrimonial e lavagem de dinheiro. Nesse sentido, a recente Operação “Carbono Oculto”, deflagrada em agosto de 2025 com participação da Receita Federal, Polícia Federal e Ministério Público, evidenciou o potencial de uso de estruturas financeiras alternativas para burlar mecanismos de controle tributário e judicial.

Ainda que a operação tenha se debruçado sobre crimes contra a ordem tributária e fraudes, o paralelo com a utilização de “contas-bolsão” pelas Fintechs é inevitável: em ambos os casos, observa-se o desenho intencional de opacidade na circulação de recursos, dificultando a atuação das autoridades competentes, o que deu ensejo à resposta reguladora trazida pela Instrução Normativa RFB nº 2.278/2025.

A IN RFB nº 2.278/2025, publicada logo após a operação em comento, sinaliza a preocupação da Receita Federal em submeter as Instituições de Pagamento e arranjos de pagamento ao mesmo regime de reporte já imposto às instituições financeiras tradicionais. A IN RFB nº 2.278/2025 reforça a obrigação de individualização das contas de pagamento e evidencia os riscos do uso de estruturas opacas para frustrar bloqueios patrimoniais. A determinação de informar à e-Financeira as movimentações de contas de pagamento, sem exceções, reforça a exigência de individualização e visa coibir a instrumentalização das Fintechs para fraudes e ocultações patrimoniais.

O tema das “contas-bolsão” demonstra como a inovação tecnológica, quando não acompanhada de prática adequada de compliance regulatório, pode ser instrumentalizada para cometimento de ilícitos – tanto civis quanto penais – e para a frustração da tutela jurisdicional efetiva.

Como advogados, permanecemos atentos às transformações digitais e às medidas necessárias ao equilíbrio entre tais inovações e a preservação da segurança jurídica, e nesse sentido não hesitaremos em adotar medidas necessárias para recuperação de créditos inadimplidos, ocultos em “contas-bolsão” e por práticas do mesmo jaez.

A observância das novas diretrizes da Receita Federal, e o acompanhamento das operações especiais recentes, constituem elementos importantes nesse processo de responsabilização dos autores dessa ocultação sistêmica, tão deletéria para o ambiente de negócios e para o conjunto idôneo da sociedade brasileira.

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