A atuação trabalhista no setor de FIDCs requer um olhar atento e estratégico, sobretudo diante de tentativas de responsabilização de consultores, gestores e administradores por vínculos empregatícios de terceiros. A correta interpretação da natureza dos contratos de factoring e de cessão a FIDCs ou companhias securitizadoras é essencial para delimitar os contornos dessa responsabilidade, especialmente quando se discute a configuração de grupo econômico.
Neste artigo, analisa-se um caso trabalhista envolvendo empresa de factoring e consultora de crédito, no qual foram reconhecidas judicialmente a inexistência de grupo econômico e, por consequência, a improcedência dos pedidos formulados contra o veículo de securitização. Uma eventual condenação poderia ter gerado precedentes negativos para o mercado de crédito privado, especialmente nas operações de antecipação de recebíveis.
A ação trabalhista foi movida por Reclamante que alegou ter sido empregada de Empresa de Cosméticos, Indústria Química e Empresa de Factoring. Ela pleiteou o reconhecimento de vínculo empregatício, verbas rescisórias, indenizações por danos morais e outras verbas trabalhistas.
Contra a Empresa de Factoring, a Reclamante sustentou que a empresa “gerenciava a parte financeira” e exercia ingerência na administração das demais Reclamadas, sugerindo que havia uma relação de subordinação e controle que caracterizaria a existência de grupo econômico e, consequentemente, a responsabilidade solidária pelas obrigações trabalhistas da empregadora original.
Como suposta prova desse vínculo, a autora apresentou contratos de fomento mercantil firmados entre as empresas e destacou cláusulas que mencionavam “acompanhamento do processo produtivo”, “avaliação da contratante, de seus devedores e fornecedores” e “subsídios para a tomada de decisões”.
O fundamento jurídico da Reclamante baseava-se no artigo 2º, § 2º, da CLT, que trata da responsabilidade solidária em grupos econômicos, argumentando que a Empresa de Factoring, ao supostamente gerir financeiramente a Empresa de Cosméticos, deveria responder pelos débitos trabalhistas, como integrante do grupo.
A defesa da Empresa de Factoring foi centrada na demonstração de que a operação convencional de fomento mercantil não poderia ser confundida com gestão empresarial ou integração em grupo econômico. A relação entre as empresas era estritamente comercial, baseada em contrato típico do setor, que não implica ingerência na administração do cedente dos créditos.
Destacou-se que a Empresa de Factoring não possuía relação societária ou de direção com a Empresa de Cosméticos, exceto aquela decorrente do contrato de fomento. Argumentou-se, ainda, que tais contratos não configuram controle ou subordinação, mas sim práticas legítimas e comuns no mercado financeiro.
Outro ponto essencial da defesa foi a diferenciação entre monitoramento financeiro e relação trabalhista. Ainda que os contratos envolvam cláusulas de acompanhamento de desempenho, isso não implica, por si só, subordinação jurídica ou poder diretivo sobre empregados.
A sentença de primeiro grau foi favorável à Empresa de Factoring. O juízo entendeu que não havia provas que demonstrassem a alegada integração em grupo econômico. Ao contrário, reconheceu-se a existência de relação contratual mercantil entre as partes, e a ação foi julgada improcedente em relação à Empresa de Factoring.
A Reclamante interpôs recurso ordinário, insistindo na tese de grupo econômico. Contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região manteve a decisão de primeira instância, confirmando que a Empresa de Factoring não tinha responsabilidade trabalhista no caso.
O acórdão reforçou a distinção entre contratos de fomento mercantil e relações de emprego, reconhecendo que não havia nos autos qualquer indício de prática de atos de gestão, controle ou direção por parte da Empresa de Factoring em relação à Empresa de Cosméticos.
A discussão jurídica reafirma que a estruturação adequada das operações de antecipação de recebíveis e a clareza contratual são fatores relevantes para afastar alegações infundadas de responsabilidade solidária. O entendimento adotado neste caso contribui para a segurança jurídica das atividades de crédito estruturado.
O caso também serve de alerta para gestores e administradores de FIDCs quanto à importância da prevenção jurídica em contratos de factoring e consultoria. A interpretação equivocada de documentos pode levar a tentativas de responsabilização indevida de consultores e fomentadores.
A experiência evidencia que uma correta definição contratual e um acompanhamento jurídico especializado são essenciais para evitar riscos trabalhistas nas operações do mercado financeiro estruturado.
Nota sobre a proteção de dados: Para preservar a confidencialidade e em conformidade com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), os nomes das partes envolvidas nos casos relatados neste artigo foram omitidos. O conteúdo reflete decisões reais da Justiça do Trabalho e dos Tribunais Superiores, garantindo conformidade com os fundamentos jurídicos e os precedentes consolidados.
21 julho, 2025
01 julho, 2025
20 junho, 2025
O boletim Vistos, etc. publica os artigos práticos escritos pelos advogados do Teixeira Fortes em suas áreas de atuação. Se desejar recebê-lo, por favor cadastre-se aqui.