INTRODUÇÃO
A Lei Complementar nº 214/2025 (LCP 214) trouxe mudanças significativas para o setor financeiro, estabelecendo um regime específico de incidência do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) para determinadas operações.
Empresas que têm por objeto social o fomento mercantil (factoring), a securitização de créditos e, em alguns casos, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), estão entre os segmentos impactados por essa nova sistemática tributária, que padronizará a tributação sobre tais serviços.
No novo modelo, as empresas de factoring e securitização passarão a contar com regras específicas de tributação, impactando diretamente a forma como essas entidades conduzirão seus negócios e estruturarão suas operações. No caso dos FIDCs, poderão estar sujeitos às novas regras os fundos que não sejam classificados como entidades de investimento.
Neste artigo, serão exploradas as principais regras previstas na LCP 214 que afetam as empresas de factoring, securitização e FIDCs. Discutiremos os aspectos fundamentais desse regime específico, abordando fato gerador, base de cálculo, alíquotas, deduções permitidas e impacto na gestão fiscal e financeira dessas empresas. A compreensão detalhada dessas alterações é essencial para que os contribuintes possam planejar adequadamente suas atividades e mitigar riscos tributários decorrentes da nova legislação.
SUJEITOS PASSIVOS DO IBS E DA CBS
O regime específico de tributação do IBS e CBS se aplicará às empresas consideradas fornecedoras de serviços financeiros, independentemente de estarem sujeitas à supervisão do Sistema Financeiro Nacional.
No caso das empresas de securitização, sua inclusão no regime específico está prevista no art. 183, § 2º, II, da LCP 214, confirmando que a natureza da atividade, e não sua regulação, é o fator determinante para a sujeição ao IBS e CBS. As empresas de factoring também estão sujeitas ao regime específico do IBS e CBS, conforme disposto no art. 183, § 2º, III, da LCP 214.
Quanto aos FIDCs, o art. 193, § 5º, da LCP 214 estabelece que estão sujeitos ao IBS e CBS apenas aqueles que não sejam classificados como entidade de investimento, conforme a definição do art. 23 da Lei 14.754/2023 e da Resolução CMN nº 5.111/2023. Os fundos classificados como tal serão isentos de tributação, mantendo o regime de diferimento fiscal ordinariamente aplicável aos FIDCs.
Essa distinção é fundamental para que os gestores e cotistas desses fundos possam avaliar corretamente os impactos da nova legislação sobre suas operações e reestruturar suas estratégias tributárias conforme necessário.
FATO GERADOR E BASE DE CÁLCULO
O fato gerador do IBS e da CBS ocorre no momento do fornecimento dos serviços financeiros, conforme estabelecido no art. 10 da LCP 214. Para as operações de factoring, securitização e FIDCs sujeitos ao regime específico, considera-se ocorrido o fato gerador na liquidação antecipada do crédito ou na cessão dos direitos creditórios.
A base de cálculo do IBS e da CBS nas operações em questão corresponde ao deságio aplicado na liquidação antecipada de recebíveis. Isso significa que os tributos incidem sobre a diferença entre o valor nominal dos créditos adquiridos e o valor efetivamente pago pelo cedente na antecipação.
Serão permitidas a essas empresas algumas deduções da base de cálculo das operações, incluindo despesas financeiras com a captação de recursos, despesas da securitização e perdas incorridas no recebimento e cessão de créditos e na concessão de descontos. Essa metodologia busca alinhar a tributação com a efetiva geração de receitas pelo setor.
Caso essas empresas prestem outros serviços além daqueles definidos como financeiros, as receitas decorrentes desses outros serviços ficam sujeitas às normas gerais de incidência do IBS e CBS, e não ao regime especial dos serviços financeiros.
LOCAL DA OPERAÇÃO PARA FINS DA TRIBUTAÇÃO
O local da operação para fins de incidência do IBS e da CBS nas operações financeiras segue as diretrizes estabelecidas no art. 11 da LCP 214. Para esses serviços, considera-se como local da operação o domicílio principal do adquirente (o cliente), sendo este o estabelecimento para o qual o serviço foi prestado. Essa regra visa garantir que o imposto seja recolhido na localidade onde efetivamente ocorre o consumo do serviço.
Além disso, em operações centralizadas por empresas que possuem múltiplos estabelecimentos, considera-se como domicílio tributário o endereço da matriz. Essa regra simplifica a tributação e evita que uma mesma operação seja onerada por diferentes entes federativos.
A correta definição do local da operação é essencial para a conformidade tributária das empresas do setor financeiro, garantindo o correto recolhimento do IBS e da CBS e minimizando riscos de autuações fiscais.
A APROPRIAÇÃO DE CRÉDITOS PELOS PRESTADORES – A NÃO-CUMULATIVIDADE DO IBS E DA CBS
O regime da não-cumulatividade do IBS e da CBS tem como objetivo evitar a tributação em cascata, garantindo que as empresas possam descontar os tributos incidentes sobre suas aquisições tributadas, excetuadas aquelas consideradas de uso ou consumo pessoal. Esse modelo permite que os contribuintes apropriem créditos ao longo da cadeia econômica, reduzindo a carga tributária efetiva e tornando a tributação mais equilibrada.
No novo modelo, as empresas que prestam serviços financeiros poderão se creditar do IBS e da CBS sobre diversas aquisições, o que inclui gastos com serviços prestados por terceiros, como advogados, contadores e programadores. Dessa forma, a base de crédito tributário se torna mais ampla em comparação com o regime atualmente aplicado ao PIS e à Cofins.
O regime do PIS e da Cofins, ainda vigente para as empresas de factoring, adota um modelo mais restritivo de não-cumulatividade. A apropriação de créditos se limita a determinados insumos diretamente vinculados à prestação do serviço. Essa limitação provoca muitas discussões sobre o que gera ou não créditos para essas empresas.
Com a introdução do IBS e da CBS, o escopo da não-cumulatividade se torna mais abrangente. Diferentemente do PIS e da Cofins, o novo regime permite que as empresas tomem créditos sobre um espectro mais amplo de despesas operacionais, o que reduz a carga tributária incidente sobre a receita bruta das operações financeiras.
Portanto, a transição para o modelo de IBS e CBS representa uma significativa alteração para os prestadores de serviços financeiros. A ampliação das hipóteses de apropriação de créditos pode mitigar os impactos do novo regime tributário, exigindo das empresas uma revisão de suas estratégias fiscais e um controle rigoroso de suas despesas, para garantir a correta apuração dos tributos e a maximização dos créditos disponíveis.
A APROPRIAÇÃO DE CRÉDITOS PELOS TOMADORES DOS SERVIÇOS (CLIENTES)
Uma das inovações trazidas pelo novo regime do IBS e da CBS é a possibilidade de os tomadores dos serviços financeiros (os clientes) apropriarem créditos tributários, algo que não era permitido no regime do PIS e da Cofins.
Os tomadores dos serviços prestados por empresas de securitização e factoring poderão tomar créditos do IBS e da CBS sobre o deságio aplicado na liquidação antecipada do recebível. No entanto, essa apropriação somente será permitida quando o deságio for superior à curva de juros futuros da taxa DI, pelo prazo da antecipação.
Além disso, a legislação autoriza que créditos sejam tomados sobre tarifas e comissões pagas nas operações de securitização e factoring. Dessa forma, empresas que recorrem a essas operações financeiras poderão reduzir sua carga tributária com maior eficácia, mitigando o custo fiscal das transações que envolvem intermediação de crédito e cessão de recebíveis.
ALÍQUOTA AINDA NÃO DEFINIDA
Embora a LCP 214 tenha estabelecido um regime específico para a tributação dos serviços financeiros, as alíquotas do IBS e da CBS ainda não foram definidas de forma concreta. No entanto, a legislação determinou parâmetros para sua fixação, garantindo que a transição ocorra de maneira gradual e previsível para os contribuintes. O objetivo é manter um equilíbrio na carga tributária e evitar aumentos abruptos na tributação dos serviços financeiros.
As alíquotas do IBS e da CBS para os serviços financeiros seguirão duas fases distintas. Entre 2027 e 2033, elas serão fixadas de acordo com regras específicas estabelecidas no art. 233 da LCP 214. A partir de 2034, as alíquotas aplicáveis serão aquelas definidas para 2033, mantendo um padrão uniforme em nível nacional.
O art. 233 da LCP 214 estabelece que as alíquotas do IBS e da CBS sobre os serviços financeiros serão calculadas de modo a manter a carga tributária incidente sobre as operações de crédito praticadas pelas instituições financeiras bancárias. Isso será feito considerando a proporção da base de cálculo do PIS e da Cofins das instituições financeiras, bem como os tributos não recuperados sobre as aquisições feitas por essas instituições.
Dessa forma, ainda que os percentuais exatos das alíquotas não tenham sido divulgados, os parâmetros estabelecidos na LCP 214 indicam um processo de transição estruturado, no qual as alíquotas iniciais serão ajustadas para manter a carga tributária existente e garantir a previsibilidade para as empresas do setor financeiro. Essa abordagem permitirá que factorings, securitizadoras e FIDCs planejem suas estratégias tributárias e operacionais.
TRIBUTAÇÃO DA ALIENAÇÃO DE BENS MÓVEIS E IMÓVEIS POR EMPRESAS FINANCEIRAS
A alienação de bens móveis ou imóveis que tenham sido objeto de garantia em favor de credores sujeitos ao regime específico do IBS e da CBS terá regras próprias sobre os momentos de incidência ou isenção dos tributos nesses casos, assegurando previsibilidade fiscal nas operações de recuperação de crédito.
A consolidação da propriedade do bem pelo credor, seja por inadimplência do devedor ou em razão de dação em pagamento, não estará sujeita à incidência do IBS e da CBS. Isso significa que a mera apropriação do bem pelo prestador de serviços financeiros não será considerada fato gerador dos tributos.
No entanto, quando o credor alienar o bem recebido em garantia, a tributação dependerá da condição tributária do prestador da garantia original. Se o prestador da garantia não for contribuinte do IBS e da CBS, a venda realizada pelo credor não sofrerá incidência desses tributos. Por outro lado, se o prestador da garantia for contribuinte do IBS e da CBS, a alienação será tributada da mesma forma como se fosse realizada diretamente por ele, seguindo as regras gerais de apuração aplicáveis.
Outro ponto relevante é que, caso o valor obtido na alienação do bem seja superior à dívida originalmente garantida, o credor deverá devolver ao prestador da garantia esse excedente, considerando o valor líquido da alienação após a incidência do IBS e da CBS.
Com essas regras, a LCP 214 estabelece um modelo de tributação claro e previsível para a alienação de bens recebidos em garantia, evitando incidências indevidas e garantindo a coerência fiscal nas operações financeiras e de recuperação de crédito.
O INÍCIO DA COBRANÇA DO IBS E DA CBS – A FASE DE TRANSIÇÃO
A transição para o novo sistema tributário será gradual, exigindo que as empresas convivam simultaneamente com os tributos antigos e os novos por um período de 7 (sete) anos. Esse processo foi desenhado para evitar impactos abruptos na carga tributária dos setores econômicos, incluindo os serviços financeiros prestados por factorings, securitizadoras e FIDCs.
Em 2026, o IBS e a CBS começam a ser cobrados com alíquotas iniciais reduzidas: 0,1% para o IBS e 0,9% para a CBS. O montante recolhido poderá ser compensado com débitos de PIS e Cofins. Caso o contribuinte não tenha tributos suficientes para compensação, o valor será ressarcido. Essa fase inicial tem como objetivo preparar os contribuintes para a adaptação ao novo sistema sem impacto significativo na arrecadação.
A partir de 2027, inicia-se a substituição progressiva dos tributos antigos pelos novos. O IBS e a CBS continuarão com alíquotas reduzidas, enquanto o PIS e a Cofins serão eliminados. O período de 2027 e 2028 prevê uma alíquota simbólica de 0,05% para o IBS estadual e municipal, enquanto a CBS será reduzida em 0,1 ponto percentual.
Entre 2029 e 2032, a transição entra em uma fase mais intensa. A alíquota do ISS será reduzida anualmente em frações decrescentes: 9/10 da alíquota original em 2029, 8/10 em 2030, 7/10 em 2031 e 6/10 em 2032. Simultaneamente, o IBS e a CBS passarão a ser cobrados com base nas alíquotas de referência (ainda não divulgadas), que ainda não foram divulgadas.
A partir de 2033, ocorre a extinção definitiva do ISS, consolidando o IBS e a CBS como os únicos tributos sobre bens e serviços no país. Com isso, todas as operações financeiras, incluindo factoring, securitização e FIDCs, estarão integralmente sujeitas às novas regras de tributação, eliminando a coexistência de diferentes regimes.
A transição exigirá que as empresas ajustem seus processos contábeis, fiscais e operacionais para garantir a correta apuração dos tributos e evitar riscos de autuação. Além disso, será essencial acompanhar os atos normativos do Comitê Gestor do IBS e da Receita Federal, que regulamentarão aspectos específicos da operacionalização da transição. O planejamento tributário durante esse período será determinante para minimizar impactos e maximizar a eficiência fiscal das empresas do setor financeiro.
CONCLUSÃO
As mudanças trazidas pela Reforma Tributária representam uma transformação significativa para empresas de factoring, securitização e FIDCs. A adoção do IBS e da CBS, a definição de novas bases de cálculo e a possibilidade de apropriação de créditos são fatores que alteram substancialmente a dinâmica da tributação desses serviços. Além disso, o regime de transição exigirá planejamento para que as empresas consigam se adaptar à coexistência dos tributos antigos e novos.
Embora a LCP 214 tenha estabelecido diretrizes gerais, ainda serão necessárias regulamentações adicionais para definir detalhes operacionais, incluindo a fixação das alíquotas efetivas do IBS e da CBS. A complexidade do novo sistema demanda acompanhamento constante das atualizações legislativas e fiscais, garantindo que as empresas estejam preparadas para cumprir suas obrigações tributárias com eficiência.
Diante desse cenário, torna-se essencial que empresários e gestores do setor financeiro iniciem desde já um planejamento tributário estratégico. A adaptação ao novo modelo requer revisão de processos internos, atualização de sistemas contábeis e fiscais, além da busca por assessoria especializada para mitigar riscos e otimizar a carga tributária dentro das novas regras. A reforma traz desafios, mas também oportunidades para uma tributação mais racional e transparente no setor financeiro.
29 abril, 2025
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11 abril, 2025
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