Em 2023, o Congresso Nacional aprovou a reforma da tributação do consumo, a chamada Reforma Tributária, criando ao menos dois novos tributos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), destinados a substituir o ICMS, ISS, PIS e Cofins. Essa transformação busca implementar no Brasil o sistema de imposto sobre valor agregado (IVA), em tese menos complexo e burocrático do que o atual. Porém, uma questão de fundamental importância segue indefinida: a alíquota de referência dos novos tributos.
Logo após o envio da proposta de regulamentação da reforma tributária por meio do Projeto de Lei Complementar n. 68 de 2024 (PLP 68/2024), o Ministério da Fazenda projetou alíquotas de referência do IBS e da CBS em 26,5%, utilizando como referência as alterações incorporadas na etapa final de tramitação da Emenda Constitucional que instituiu a reforma tributária, conforme Nota Técnica publicada pelo Ministério da Fazenda. [1]
No texto do PLP 68/2024 aprovado pela Câmara, os Deputados estabeleceram uma trava da alíquota do IBS e da CBS, fixada em 26,5%, seguindo a estimativa inicialmente considerada pelo Ministério da Fazenda. De acordo com o texto, o Governo Federal terá que avaliar a arrecadação desses tributos em 2031 com base nos dados de arrecadação de 2026 a 2030. Caso a alíquota necessária para manter os níveis atuais de arrecadação fique acima de 26,5%, o Governo Federal terá que apresentar um novo projeto de lei complementar para propor a diminuição das isenções e tratamentos diferenciados previstos no texto.
O mecanismo de trava na alíquota de 26,5% tem gerado críticas de políticos e especialistas, que veem poucas chances de a limitação se concretizar. Isso ocorre devido às novas isenções e tratamentos fiscais diferenciados incluídos no projeto. Em sua análise, o Secretário Especial da Reforma Tributária, Bernard Appy, destacou a incerteza de atingir o teto almejado sem reformas adicionais nas isenções, demonstrando pouca confiança na efetividade dessa medida, nos moldes aprovados pela Câmara[2].
A previsível inefetividade da trava estabelecida no texto aprovado foi confirmada pelo Governo Federal em Nota Técnica intitulada “Estimativa de impacto sobre a alíquota de referência do IBS e da CBS das mudanças introduzidas durante a tramitação da regulamentação da reforma tributária”[3]. O estudo aponta que os efeitos das mudanças no texto aprovado pela Câmara dos Deputados, com a ampliação dos tratamentos diferenciados concedidos a determinados bens e serviços, implicarão a necessidade de um incremento na alíquota de referência de 1,47%.
Ou seja, se confirmadas as projeções feitas pelo Governo Federal, a neutralidade da reforma tributária prometida como pressuposto do projeto dependeria de um IVA de 28%, situação que colocaria o Brasil na ingloriosa posição de País com o maior IVA entre os 38 países membros da OCDE, posição atualmente ocupada pela Hungria[4], muito distante do IVA médio dos países do grupo, de 19%.
Para além de demonstrar os possíveis impactos decorrentes das mudanças que foram aprovadas no texto pela Câmara dos Deputados, o estudo publicado pelo Ministério da Fazenda tem a clara intenção de pressionar e orientar os Senadores a reavaliarem os tratamentos diferenciados inseridos no texto, de modo a garantir a manutenção da alíquota de referência em 26,5%. No momento, o texto aguarda a votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, com expectativa de acontecer até o mês de dezembro, como vem assegurando publicamente o Senador Rodrigo Pacheco[5].
Independentemente de qual seja a alíquota de referência, se 26,5% ou 28%, o fato é que alguns setores da economia devem sofrer com um aumento significativo da carga tributária. Por exemplo, o setor de serviços, que representa 70% do PIB brasileiro, responsável por 60% dos novos empregos com carteira assinada gerados em 2023, deve ser fortemente impactado com a implementação da reforma tributária.
Atualmente, empresas do setor de serviços possuem uma carga de 8,65% sobre o faturamento (considerando ISS e PIS/COFINS). Com a nova alíquota de 26,5% – cenário menos factível, considerando as projeções mais recentes do Ministério da Fazenda – é esperado um aumento considerável na carga tributária, que provavelmente será repassado aos consumidores, elevando o custo final dos serviços.
Embora a reforma busque concretizar o princípio da não-cumulatividade, o qual permite que as empresas deduzam créditos dos impostos pagos nas aquisições, essa medida traz pouco alívio ao setor de serviços. Como a mão de obra constitui a maior parte dos gastos no setor, e não gera créditos tributários, já que o IBS e a CBS não incidem sobre a folha de pagamento, o impacto da nova alíquota será elevado.
Não há dúvidas de que a aprovação da reforma tributária e a criação do IBS e da CBS representam alguns avanços. Contudo, as projeções das alíquotas trazem desafios significativos, especialmente para setores com estruturas de custos voltadas para mão de obra, como o de serviços.
Com a alíquota de referência em torno de 26,5%, alguns setores poderão ver suas cargas tributárias praticamente triplicarem, com impacto para o consumidor final, encarecendo o acesso a serviços e elevando o custo de vida. A promessa de neutralidade tributária feita no início do projeto fica assim fragilizada, pois a carga tributária para diversos setores tende a aumentar, agravando a já elevada carga brasileira.
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