Receita Federal autoriza a opção pelo Lucro Presumido às fintechs classificadas como Sociedades de Crédito Direto (SCD)

23/05/2024

Por Carlos Victor Pereira

A Receita Federal esclareceu que as Sociedades de Crédito Direto (SCD) podem optar pelo regime de lucro presumido para a apuração do imposto de renda, o que pode proporcionar vantagens tributárias para essas fintechs, refletindo a evolução do mercado financeiro digital no Brasil.

Componentes do universo das fintechs, as Sociedades de Crédito Direto (SCD) são conceituadas pela Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 4.656/2018 como uma instituição que realiza operações de empréstimo, financiamento e aquisição de direitos creditórios por plataforma eletrônica e com a utilização exclusiva de seu próprio capital:

Art. 3º A SCD é instituição financeira que tem por objeto a realização de operações de empréstimo, de financiamento e de aquisição de direitos creditórios exclusivamente por meio de plataforma eletrônica, com utilização de recursos financeiros que tenham como única origem capital próprio.

Historicamente, a legislação brasileira apresenta lacunas sobre o conceito e espécie jurídica das fintechs, se consideradas instituições financeiras ou apenas instituições de crédito. O fato é que, com o desenvolvimento desse mercado e a chegada de cada vez mais entidades desse tipo, geraram-se dúvidas sobre o tratamento tributário dado às entidades.

Isso porque, de um lado, as fintechs não integram o Sistema Financeiro Nacional, compostos pelos grandes bancos; mas, de outro, estão sujeitas às diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional – CMN.

Teve-se, ainda, o avanço estabelecido pela Lei Federal nº 12.865/2018 [1], que desvinculou das instituições financeiras as fintechs consideradas “Instituições de Pagamento”, conceituando-as como prestadoras de serviços de gestão de pagamentos.

De volta às Sociedades de Crédito Direto, a despeito da ausência de previsão legal, havia notável insegurança jurídica sobre o regime de apuração de imposto de renda a ser adotado, uma vez que o artigo 14, II, da Lei Federal nº 9.718/1998 vincula as instituições financeiras à obrigação de adotarem o regime lucro real:

Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas: (…)

 

II – cujas atividades sejam de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras de títulos, valores mobiliários e câmbio, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização e entidades de previdência privada aberta; (…)

Contudo, esse cenário de incertezas foi finalmente sanado, após a Receita Federal consignar na Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (COSIT) nº 50 de 22 de março de 2024, que as Sociedades de Crédito Direto podem optar pela apuração do imposto de renda no lucro presumido. Veja:

“SOCIEDADE DE CRÉDITO DIRETO. SISTEMÁTICA DE APURAÇÃO. LUCRO REAL. LUCRO PRESUMIDO.
Às Sociedades de Crédito Direto não se aplica o disposto no art. 14, inciso II, da Lei nº 9.718, de 1998, não se podendo incluir tal espécie de instituições financeiras no rol taxativo naquele dispositivo elencado. Dispositivos Legais. art. 14, inciso II, da Lei nº 9.718, de 1998. Art. 97, incisos II e IV, e art. 108, § 1º, do CTN. Assunto: Normas de Administração Tributária INEFICÁCIA PARCIAL. Não produzem efeitos os questionamentos sobre fato genérico ou sobre fato definido ou declarado em disposição literal de lei. Dispositivos Legais: Instrução Normativa RFB nº 2.058, de 9 de dezembro de 2021, art. 27, incisos II e IX.” [2]

Como impacto da nova interpretação, diga-se, vinculante aos órgãos da Receita Federal em âmbito nacional, tem-se que as Sociedades de Crédito Direto poderão optar pelo lucro presumido sem o risco de fiscalizações e desenquadramentos.

A vantagem diz respeito à possibilidade de apurar o rendimento tributável não pela concepção do lucro real, mas na tributação sobre um recorte dos rendimentos, resultados da aplicação do coeficiente sobre a receita bruta total da fintech no período de apuração, como preveem as regras do lucro presumido.

Importante ressaltar que essa e outras vantagens são verificadas a partir de planejamento tributário, no qual são considerados diversos aspectos, como o faturamento anual bruto da instituição, margem de lucro e despesas dedutíveis da apuração do imposto de renda.

Relembre-se, também, que as empresas com faturamento anual bruto superior a R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) estão obrigadas a adotar a sistemática do lucro real, nos termos do artigo 14, I, da Lei Federal nº 9.718/1998 [3].

Para todos os efeitos, o novo entendimento da Receita Federal representa um avanço, na medida em que traduz o desenvolvimento do mercado das fintechs, que indiretamente compeliu o legislador e o fisco para que melhor as definissem.

A equipe da prática de direito tributário do Teixeira Fortes Advogados Associados está à disposição para fornecer orientações, caso sejam necessárias.

 

[1] “Art. 6º Para os efeitos das normas aplicáveis aos arranjos e às instituições de pagamento que passam a integrar o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), nos termos desta Lei, considera-se: I – arranjo de pagamento – conjunto de regras e procedimentos que disciplina a prestação de determinado serviço de pagamento ao público aceito por mais de um recebedor, mediante acesso direto pelos usuários finais, pagadores e recebedores; II – instituidor de arranjo de pagamento – pessoa jurídica responsável pelo arranjo de pagamento e, quando for o caso, pelo uso da marca associada ao arranjo de pagamento; III – instituição de pagamento – pessoa jurídica que, aderindo a um ou mais arranjos de pagamento, tenha como atividade principal ou acessória, alternativa ou cumulativamente: a) disponibilizar serviço de aporte ou saque de recursos mantidos em conta de pagamento; b) executar ou facilitar a instrução de pagamento relacionada a determinado serviço de pagamento, inclusive transferência originada de ou destinada a conta de pagamento; c) gerir conta de pagamento; d) emitir instrumento de pagamento; e) credenciar a aceitação de instrumento de pagamento; f) executar remessa de fundos; g) converter moeda física ou escritural em moeda eletrônica, ou vice-versa, credenciar a aceitação ou gerir o uso de moeda eletrônica; e h) outras atividades relacionadas à prestação de serviço de pagamento, designadas pelo Banco Central do Brasil; IV – conta de pagamento – conta de registro detida em nome de usuário final de serviços de pagamento utilizada para a execução de transações de pagamento; V – instrumento de pagamento – dispositivo ou conjunto de procedimentos acordado entre o usuário final e seu prestador de serviço de pagamento utilizado para iniciar uma transação de pagamento; e VI – moeda eletrônica – recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento. (…) § 2º É vedada às instituições de pagamento a realização de atividades privativas de instituições financeiras, sem prejuízo do desempenho das atividades previstas no inciso III do caput.”

[2] Receita Federal; COSIT; Solução de Consulta nº 50; Relator(a): Rodrigo Augusto Verly de Oliveira; Data da Decisão: 22/03/2024; Data de Publicação: 25/03/2024.

[3] “Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas: I – cuja receita total no ano-calendário anterior seja superior ao limite de R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) ou proporcional ao número de meses do período, quando inferior a 12 (doze) meses.”

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