A estabilidade econômica de um país depende, em grande parte, da eficiência dos serviços públicos que regem seu funcionamento. Recentemente, o setor de importação de mercadorias foi afetado pela greve dos auditores da Receita Federal, que paralisou as atividades em portos e aeroportos, o que os servidores denominam “operação-padrão”.
Assim, por consequência lógica, as mercadorias importadas que desembarcavam nos estabelecimentos portuários e aeroportos, lá ficavam inertes, sem que a Receita Federal promovesse o desembaraço aduaneiro, para que fosse viabilizada a circulação dos itens.
O cenário de paralisação traz um aspecto crucial que merece atenção: empresas do setor estão suportando prejuízos com tarifas de armazenagem, em razão de demora de conclusão do procedimento aduaneiro de importação de mercadorias.
Esse período de retenção das mercadorias além do prazo legal é conhecido como sobrestadia ou demurrage. Em outras palavras, é o período em que se paga taxas de armazenagem pelo prazo excedente que a Receita Federal teria para concluir o desembaraço aduaneiro. Disso, surge a questão da responsabilidade da Administração Pública pelos danos causados aos contribuintes em decorrência de sua atuação, ou a falta dela.
A fiscalização e, sobretudo, o desembaraço aduaneiro, são considerados serviços públicos essenciais, cuja interrupção total por movimento grevista é contestável. Não é demais concluir que a coletividade é afetada pela paralisação. As operações não efetivadas afetam o mercado nacional, gerando desequilíbrio em preços de produtos e serviços; a ausência de fiscalização prejudica a arrecadação aos cofres públicos.
Não por menos, uma vez apurada conduta causadora de danos aos particulares, a Constituição Federal estabelece, em seu artigo 37, §6º [1], a responsabilidade da Administração Pública por danos causados aos administrados, assegurando o direito à indenização.
Embora não haja um prazo máximo previsto na legislação para a análise de importações, o artigo 4º do Decreto Federal nº 70.235/1972 [2] estabelece que os servidores devem executar os atos processuais no prazo de oito dias, salvo disposição em contrário. Logo, caso o Fisco deixe de concluir sua atividade neste prazo, sem justificativa legal, patente é o dever de indenizar os prejuízos suportados pelo importador.
Fato é que a jurisprudência tem condenado a União Federal a indenizar empresas que suportaram prejuízos com sobrestadia. Colaciona-se, a título de exemplo, julgados do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em que a União Federal foi condenada a indenizar os contribuintes:
“ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. DESPESAS DE ARMAZENAGEM. SOBRE-ESTADIA DE CONTEINERS. EXCESSO DE PRAZO. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. 1. Na ausência de prazo específico, é aplicável o prazo de 8 dias previsto no art. 4º do D 70.235/1972 para conclusão do desembaraço aduaneiro. Precedentes deste Tribunal. 2. Verificada a responsabilidade da União pela demora na liberação das mercadorias, é devido o ressarcimento das despesas de sobre-estadia. 3. Apelações desprovidas.” [3]
“TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. PARAMETRIZAÇÃO DA DI. PROSSEGUIMENTO DO DESPACHO ADUANEIRO. EXCESSO DE PRAZO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INJUSTA RETENÇÃO DE MERCADORIA IMPORTADA. DANO MATERIAL. 1. Inexistindo prazo específico para o desembaraço aduaneiro, consolidou-se o entendimento jurisprudencial no sentido de que deve ser observado, para tal fim, o prazo de 8 dias de que trata o art. 4º do Decreto 70.235/1972, estabelecido para a execução de atos no âmbito do procedimento administrativo fiscal. 2. A irregularidade cometida por autoridade fiscal ocasionou injusta retenção das mercadorias importadas, por longo período, configurando o dano material.” [4]
“ADUANEIRO. IMPORTAÇÃO. PARAMETRIZAÇÃO DA DI. PROSSEGUIMENTO DO DESPACHO ADUANEIRO. EXCESSO DE PRAZO. OMISSÃO ESPECÍFICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DESPESAS DE ARMAZENAGEM E DEMURRAGE. INDENIZAÇÃO. 1. Conforme o entendimento deste Tribunal, o prazo para a conclusão do despacho aduaneiro é de oito dias, na forma do art. 4º do Decreto n. 70.235/1972, que trata de atos no âmbito do procedimento administrativo fiscal. 2. Revelando-se indevida a retenção da carga importada após o transcurso do prazo legal para a conclusão do procedimento, é cabível a condenação da União ao pagamento de indenização das despesas com armazenagem e demurrage. 3. O dever de indenizar decorre da omissão específica do dever legal da autoridade fiscal de concluir o despacho aduaneiro no prazo de 08 dias, atraindo a responsabilidade estatal objetiva, prevista no art. 37, §6º, da Constituição Federal.” [5]
Depreende-se dos julgados que é indenizável o período excedente aos 8 (oito) dias previstos pela lei em que o contribuinte tem de suportar despesas de armazenagem de suas mercadorias, lapso esse chamado de sobrestadia pela jurisprudência.
Diante desse cenário, conclui-se que empresas do setor de importação que suportaram ou estão a suportar prejuízos com armazenagem de mercadorias em razão da greve, podem discutir judicialmente a reparação dos danos, relativa aos gastos do período excedente ao prazo legal de conclusão do procedimento aduaneiro.
A equipe da prática de direito tributário do Teixeira Fortes Advogados Associados está à disposição para fornecer orientações, caso sejam necessárias.
[1] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
[2] Art. 4º Salvo disposição em contrário, o servidor executará os atos processuais no prazo de oito dias.
[3] TRF4, AC 5018728-26.2022.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 24/10/2023.
[4] TRF4, AC 5002358-46.2016.4.04.7208, PRIMEIRA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 15/04/2021.
[5] TRF4, AC 5011834-40.2018.4.04.7208, SEGUNDA TURMA, Relator EDUARDO VANDRÉ OLIVEIRA LEMA GARCIA, juntado aos autos em 24/10/2022.
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