Uso de contas de filhos menores para ocultar patrimônio é fraude, decide TJSP

15/08/2025

Por Camila Almeida Gilbertoni

Alguns devedores, para evitar o pagamento de dívidas, transferem dinheiro ou bens para familiares ou pessoas próximas. Entre as diversas estratégias utilizadas, destaca-se a transferência de ativos para contas bancárias em nome de filhos menores, cujos recursos são administrados diretamente pelos pais, sem necessidade de procuração ou outro ato formal. A incapacidade civil dos menores garante, de forma natural, que seus representantes legais tenham acesso integral às contas e a eventuais créditos.

Nesse contexto, devedores transferem bens e valores para contas de filhos incapazes, mantendo controle sobre tais recursos e, ao mesmo tempo, evitando constrições judiciais decorrentes de processos de cobrança. Assim, preservam sua vida financeira, enquanto o credor permanece sem localizar patrimônio passível de penhora em nome do devedor.

A jurisprudência, contudo, tem se mostrado atenta a tais manobras. Foi o que ocorreu em recente julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual se manteve a penhora de valores depositados em contas de filhos menores do devedor.

O caso teve início quando o credor, após analisar a declaração de imposto de renda do devedor, requereu a penhora das contas bancárias dos filhos, que figuravam como seus dependentes. O pedido foi acolhido pelo juízo de primeiro grau, e a dívida foi integralmente quitada com os valores bloqueados.

O devedor alegou que os montantes seriam provenientes de doações feitas pelos avós dos menores. Entretanto, não apresentou provas da origem lícita e exclusiva desses recursos, tampouco da sua impenhorabilidade. Ao contrário, juntou extratos bancários com movimentações incompatíveis com a idade dos titulares (10 e 12 anos), incluindo gastos em bares, lojas de bebidas, pagamento de aluguel e seguro de veículo — indícios claros de que o verdadeiro beneficiário e gestor das contas era o próprio genitor.

Diante da ausência de comprovação da origem dos valores e das evidências de confusão patrimonial, o TJSP reconheceu a fraude à execução e manteve a penhora. O TJSP concluiu que “a proteção ao patrimônio do menor e o princípio do melhor interesse da criança, corretamente invocados, não podem servir de manto para a prática de atos ilícitos e fraudulentos”, asseverando que “o ordenamento jurídico, ao mesmo tempo em que protege o incapaz, também deve assegurar a efetividade da tutela jurisdicional e a satisfação do crédito legitimamente constituído”, e bem destacando que “permitir que o devedor se valha das contas de seus filhos para se esquivar de suas obrigações seria chancelar o abuso de direito e esvaziar o próprio sentido da execução”.

A Procuradoria de Justiça, atuando em razão do interesse de incapaz, também se manifestou pela manutenção da penhora, destacando que “ainda que os valores estejam depositados em contas de menores, o ordenamento jurídico admite a penhora de bens em nome de terceiros quando há fortes indícios de que estes são, na verdade, de propriedade do executado”, e, atenta à prova documental, concluiu que as “movimentações bancárias incompatíveis com as necessidades de menores, como despesas em estabelecimentos comerciais destinados a adultos, reforçam o argumento de que os valores pertencem ao executado, o que configura fraude à execução”.

Em suma, a proteção jurídica conferida aos incapazes não pode ser distorcida para acobertar práticas ilícitas de devedores. Ao contrário, cabe ao Poder Judiciário assegurar a efetividade dos processos de cobrança judicial, combatendo as medidas de frustração do crédito disfarçadas de zelo familiar.

Compartilhe

Vistos, etc.

Newsletter do
Teixeira Fortes Advogados

Vistos, etc.

O boletim Vistos, etc. publica os artigos práticos escritos pelos advogados do Teixeira Fortes em suas áreas de atuação. Se desejar recebê-lo, por favor cadastre-se aqui.