Trespasse e Sucessão Empresarial na visão do STJ

28/06/2022

Por Mohamad Fahad Hassan

A proposta deste artigo é analisar as características do Trespasse, que é a transferência da universalidade dos bens, materiais e imateriais, de uma sociedade empresária para outra sociedade, e as consequências dessa operação perante credores da empresa sucedida. Trazemos o tema à tona diante de uma recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito do assunto.

Em litígio envolvendo ação de execução de título extrajudicial movida por instituição bancária em face de uma empresa do ramo frigorifico, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu reconhecer que o trespasse da atividade empresária acarreta, automaticamente, a responsabilidade do adquirente quanto ao débito preexistente, independentemente do preenchimento de outros requisitos.

O caso em análise trata de processo em trâmite desde 2005, no qual o banco credor, depois que longo e árduo trabalho em busca de meios para satisfação de seu crédito, verificou que a devedora havia encerrado suas atividades, deixando um grande prejuízo perante credores, e em flagrante má-fé transferiu todos os seus bens para outra empresa do mesmo ramo, que acabou assumindo integralmente a exploração de seus negócios.

Analisando detidamente o caso, a bem da verdade é que o banco tomou prévio conhecimento da existência de contrato de alienação do imóvel onde estava sediada a sociedade devedora, para outra empresa do mesmo ramo de atividade, e consentiu a operação.

O que o credor parecia não saber é que a operação foi muito além de um simples contrato de compra e venda. A devedora havia transferido, de fato, a universalidade dos bens que compunha sua sociedade empresária, o que caracteriza verdadeiro trespasse. Isso porque, além da venda do imóvel, a executada havia celebrado também contrato de comodato com a adquirente do imóvel, transferindo-lhe gratuitamente todo o complexo de seus bens, materiais e imateriais, como tecnologia, carteira de clientes e recursos humanos.

O Código Civil, em seu artigo 90, define que “constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária traz a definição de universalidade como sendo”.

O artigo 1.142 do mesmo Código diz que “considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária” e o artigo 1.143 da mesma Lei prevê que “pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza.[1]

Estabelecidas essas premissas no processo, passou-se a discutir se a situação concreta ensejava ou não a responsabilidade da adquirente, mormente porque em se caracterizando de fato o trespasse (e não apenas a compra do imóvel), o adquirente deveria ser incluído no processo como parte executada, conforme prevê o artigo 779 do Código de Processo Civil:

Art. 779. A execução pode ser promovida contra:
I – o devedor, reconhecido como tal no título executivo;
II – o espólio, os herdeiros ou os sucessores do devedor;

Em síntese, o juiz de primeira instância reconheceu o trespasse e, portanto, a sucessão empresarial, e autorizou a inclusão da adquirente do estabelecimento no polo passivo da ação. No entanto, o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão dividida (com dois votos a um, vencido o relator que mantinha a decisão), houve por bem dar provimento ao recurso da adquirente e reformou a decisão, por entender que os elementos dos autos davam conta de mera alienação de bem imóvel.

O banco credor recorreu ao STJ, que em julgamento do RESP 1.837.435, por unanimidade de votos, decidiu que as provas dos autos eram evidentes no sentido da comprovação da continuidade, pela adquirente, da mesma atividade empresarial exercida pela primitiva devedora, no mesmo endereço, e utilizando-se da mesma mão de obra e de todas as máquinas e equipamentos pertencentes à antecessora.

Confira-se alguns trechos do voto do Ministro Luis Felipe Salomão com os fundamentos da decisão que resultou na responsabilização da adquirente pelo débito da empresa antecessora:

Diversamente do que sustentou a agravante (fls. 9/22), ficou evidenciada a sucessão empresarial “de fato” entre ela e a coexecutada “…”.
A caracterização da sucessão empresarial não resulta, imprescindivelmente, de sua formalização, admitindo-se o seu reconhecimento quando se possa inferir dos elementos constantes dos autos que a negociação englobou não só o conjunto de bens materiais da sociedade, mas também de seus bens imateriais. Verificada a presença desses elementos, admite-se a inclusão das empresas sucessoras no polo passivo da execução.
2.3. No caso em tela, não se verificou somente a aquisição do imóvel do frigorífico coexecutado, conforme quer fazer crer a agravante em seus embargos.
Aliás, tal alegação, diante do conjunto probatório existente nos autos, não pode preponderar. Houve sim a continuidade pela agravante da mesma atividade empresarial exercida pela coexecutada “Frigorífico Novo Estado S.A.”, ou seja, “abate de bovinos”, no mesmo endereço, segundo se depreende da situação cadastral de ambas as empresas (fls. 595, 596, 598, 600). Ademais, a agravante utilizou todas as máquinas e equipamentos necessários ao exercício da atividade de frigorífico de propriedade da coexecutada “Frigorífico Novo Estado S.A.”, que lhe foram cedidos “gratuitamente” por meio do “Instrumento Particular dc Comodato” firmado cm 20.5.2004 (fls. 615/616).
Ora, não se mostrou crível que uma empresa em dificuldades financeiras, que contraiu dívidas não só do banco agravado, mas também do “Banco do Brasil S.A.’\ na condição de agente financeiro do “BNDES”, tenha “emprestado”, sem qualquer contrapartida financeira, todos os seus equipamentos e máquinas para uma empresa concorrente, ainda mais do porte da agravante.

A referida decisão se revelou extremamente positiva para o mercado de crédito, pois mostrou que o STJ está atento às fraudes praticadas por devedores.

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