TJ assegura o direito de construir em loteamento implantado antes da edição de lei que amplia restrições ambientais

17/07/2023

Por Daniela de Sousa Franco Coimbra

As normas de direito ambiental regulam a atividade humana com o objetivo de reduzir o seu impacto sobre o meio ambiente. Em que pese a relevância de tal propósito, é preciso ponderação com relação à incidência das referidas normas, nos casos de contraposição ao exercício de outros direitos, como o de propriedade.

A situação demanda especial atenção quando o proprietário de área em loteamento regularmente implantado é surpreendido pela edição de norma ambiental mais restritiva. Com efeito, a superveniência de novas regras em matéria ambiental pode não apenas impor restrições ao direito de construir, como inviabilizar o seu exercício, por completo.

Nesse contexto, no Estado de São Paulo, a Lei Estadual nº 15.684/2015 assegurou o direito de construir em loteamento que tenha sido regularmente implantado, de acordo com as regras vigentes à época para o licenciamento ambiental e o registro do parcelamento:

Artigo 40 – Nas áreas de ocupação antrópica consolidada em área urbana, fica assegurado o uso alternativo do solo [1] previsto no artigo 3º da Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012, respeitadas as áreas de preservação permanente previstas pela legislação em vigor à época da implantação do empreendimento.

Parágrafo único – Fica assegurado o direito de construir em lotes oriundos de parcelamento do solo urbano registrado no Serviço de Registro de Imóveis competente, desde que respeitadas as Áreas de Preservação Permanente, exigidas pela legislação vigente na data da implantação do licenciamento ambiental e do registro do parcelamento do solo para fins urbanos, aprovado segundo a legislação específica.” (grifos nossos)

Em que pese a legislação estadual ter sido expressa para assegurar que a legislação vigente à época da implantação do loteamento se sobreponha à legislação ambiental superveniente, ao enfrentar a controvérsia, as Câmaras Reservadas ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo proferiram decisões antagônicas, para casos idênticos, gerando insegurança jurídica e instabilidade econômica.

A dicotomia entre os casos julgados conduziu à absurda situação de que, em um mesmo loteamento, localizado no Município de Bauru, alguns proprietários tiveram reconhecido o seu direito de edificar, e outros não. A questão foi submetida à apreciação do Grupo Especial de Câmaras de Direito Ambiental do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, em Incidente de Assunção de Competência (IAC), decidiu uniformizar a controvérsia, privilegiando o direito de construir [2]:

“INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. AÇÃO DECLARATÓRIA. PROCEDÊNCIA. APELOS DOS RÉUS. SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO NATIVA NO ‘LOTEAMENTO JARDIM AVIAÇÃO’, LOCALIZADO NO MUNICÍPIO DE BAURU/SP. EMPREENDIMENTO APROVADO E INSTITUÍDO NO ANO DE 1947. APLICABILIDADE DO ARTIGO 40 DA LEI ESTADUAL N° 15.684/2015. DIREITO DE CONSTRUIR ASSEGURADO. RECURSOS DESPROVIDOS, COM FIXAÇÃO DE TESE JURÍDICA. (grifos nossos)

No caso vertente, as teses de inexistência de direito adquirido à supressão de vegetação nativa e de prevalência do direito coletivo sobre o individual foram afastadas, confirmando-se o entendimento de que deve prevalecer o quanto dispõe a mencionada legislação estadual.

O Relator do acórdão, desembargador Paulo Alcides Amaral Salles, ressaltou que o artigo 40, § único, da Lei n° 15.684/20151 é aplicável a todos os biomas que compõem o território nacional, o que torna legal a supressão de vegetação nativa sempre que, no momento da aprovação do loteamento, inexista restrição.

O referido julgado, por ter sido proferido pelo Grupo Especial de Câmaras de Direito Ambiental do Tribunal de Justiça de São Paulo, em uniformização de jurisprudência, consolida o entendimento que assegura o direito de edificar – o que coloca uma pá de cal sobre a discussão e deverá servir de base para julgamentos similares, ao menos no Estado de São Paulo.

 

[1] Código Florestal, art. 3º, VI: “uso alternativo do solo: substituição de vegetação nativa e formações sucessoras por outras coberturas do solo, como atividades agropecuárias, industriais, de geração e transmissão de energia, de mineração e de transporte, assentamentos urbanos ou outras formas de ocupação humana;”.

[2] Apelação Cível nº 0019292-98.2013.8.26.0071, da Comarca de Bauru. Grupo Especial de Câmaras de Direito Ambiental do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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